sábado, 4 de setembro de 2010

As bicicletas e as políticas citadinas

Mais um ano de “quase” democracia. A farsa da política representativa já é tão sentida quanto os sorrisos de marketing da maioria dos candidatos ao pleito. A disputa pelo consenso leva a destruição de todo pensamento original. A ânsia pela aprovação conduz os candidatos a criar todo tipo de parafernália artificial e mentirosa que almeja a ludibriação explícita. A repetição dos jargões leva a ausência de toda reflexão crítica, mesmo quando a prática pareça exigir ao menos um grito de reprovação.

Nos últimos anos, no entanto, o imaginário urbano vem sendo tomado de assalto por ideias realmente revolucionárias. Há quem pense que as calçadas possam virar pomares, os terrenos baldios transformarem-se em hortas e o campo “invadir” a cidade; outros que afirmam, sem nenhuma ingenuidade, que cada comunidade pode e deve ser responsável pela gestão de seus próprios resíduos. Declaram ainda que o bairro da Caximba deve se tornar uma área de recuperação ambiental permanente.

Existe também uma série de “perturbadores” que desejam libertar o limitado espaço urbano da exagerada e degradante concentração de automóveis. Dizem, estes idealistas, que a cidade deve voltar a ser um espaço de convivialidade, que a dimensão humana das coisas deve ser resgatada.

Tais movimentos são pontuais, mas reclamam uma crítica generalizada. Buscam, na verdade, formas de atuação diretas. Desejam um ambiente de respeito genuíno ao ciclista. A bicicleta é considerada, por eles, um poderoso símbolo, capaz de transformar a imagem que temos de nós mesmos e da cidade como um todo. Optar pela bicicleta é, em nossa realidade atual, ir contra a corrente. Resistir às pressões das empresas automobilísticas, das empreiteiras, da especulação imobiliária e a todo um sistema que, como apontou Illich, pretende fazer do homem um consumidor passivo de mercadorias por toda a vida.

Há na escolha pela bicicleta, certamente, caminhos perigosos. Há o risco de redescobrir a vida mais autêntica. A brincadeira das crianças. O tempo livre do relógio. O prazer da autopropulsão. Há também o elogio da cidade invisível – aquela que somente quem anda e pedala conhece, pois está atento aos detalhes da microvida urbana. A bicicleta favorece o acesso à cidade e é dever do poder público levar isso em consideração.

Neste mês de setembro, que hoje se inicia, Curitiba é mais uma vez palco de ações de diversos desses grupos que visam mobilizar as consciências em uma transformação política efetiva. Atividades que provocam uma nova atenção, um novo olhar sobre a cidade. É o mês da bicicleta.

O fim do inverno anuncia uma realidade florida, permeada de sonhos e vislumbres de uma cidade onde o pé do pedestre seja a referência de saúde e vitalidade. Onde os ciclistas não precisem confrontar a ignorância e a rispidez da multidão motorizada.

Setembro é o mês da bicicleta. Que assim seja por muitas primaveras!

Goura Nataraj, filósofo, membro do Coletivo Interlux, é professor de sânscrito.

gazetadopovo

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